Grupo Algaravia encerrou programação do Circuito Cultural SESI 2011 em Garça
O cair da noite num horário de verão é sempre singular. A noite ainda é dia e os raios de sol disputam o brilho das estrelas. Foi assim, com espetáculo marcado para o início da noite do domingo 11 de dezembro, que o público foi chegando a Sala Miguel Mônico. Os raios solares ainda imperavam. Era noite, mas era dia. Era Algaravia.
A apresentação do Grupo Algaravia veio com um up diferente. Encerrava um ano cultural premiado por belos espetáculos ora do Circuito Cultural Paulista, ora do Circuito Cultural do SESI. Entre um e outro ainda tivemos o Projeto Ademar Guerra e o circuito pago que premiou a cidade com grandes apresentações.
O fato é que o show do Grupo Algaravia veio como prenúncio de uma ótima semana. O domingo merecia aquela vibração. O público foi seleto e cativo. Enquanto muitos optaram pela homilia noturna, outros se entregaram a preguiça domingueira, e alguns ficaram com o nada pelo nada. Mas o show tinha que continuar. Na fila para a entrada, os presentes discutiam muitas ausências e conjecturavam os reais motivos delas. Na falta de respostas a Sala Miguel Mônico ficou com espaço de sobra.
Maria Clara Seabra chegou antes – passou à tarde no teatro – e teve o privilégio de participar da arrumação do palco, montagem, arrumação de instrumentos e passagem de som. Foi adotada pelo Grupo Algaravia, mas já havia adotado-os primeiro. O amor pela música e a paixão pelos instrumentos os uniu.
O som começou e invadiu a Sala Miguel Mônico. A música veio suave e o silêncio do público parecia absorver cada nota. Foi só sensibilidade.
Ricardo Lira passou uma gostosa sensação de brincar com as notas musicais e seus dedos deslizavam nas cordas do contrabaixo.
Assim, entre uma peça e outra o público era apresentado aos componentes do grupo e a artistas até então desconhecidos. Peças feitas para o piano que ganharam novos arranjos e encantaram. A música de compositores franceses, húngaros, italianos, argentinos, tchecos soou genuinamente brasileira, e o requinte erudito das notas ganhou conotações populares. Diferente. Belo. Popular e estranhamente erudito.
Ravel, Erik Satie. Eloá Gonçalves no piano. Suavidade e calmaria.
Camargo Guarnieri foi o primeiro compositor a ser apresentado com a música “Dança negra”. Mas também vieram, entre muitas,
Pavane pour une infante défunte de Maurice Ravel e Première Gymnopédie de Erik Satie. Tudo tão brasileiro.
E de repente o acordeon também fez seus pares no mundo erudito. Foi introduzido ou se introduzindo sem cerimônias no belo espetáculo que acontecia. E veio Astor Piazzolla com Calambre. Veio o tango. Tinha o jazz.
Enquanto Rafael Thomaz dava um show com o violão, Bruno Cabral fazia sua parte com o saxofone e o público apreciava a apresentação, esperando pela hora de poder aplaudir.
O tango nos levou aos palcos argentinos sem sair da Sala Miguel Mônico e no que foi chamado de vertente nacionalista ouvimos Heitor Villa Lobos. Ouvimos A Lenda do Caboclo.
Algaravia. Num misto de poesia e paz veio o questionamento. Onde estava o desarranjo que o nome sugere? Vi tudo tão certo, perfeito e sincronizado.
Talvez a algaravia estivesse nos opostos. Músicos sérios que brincavam no palco. Instrumentos frios que pareciam ser fonte de magia e calor. Erudito e popular. O aqui e o mundo.
Vi uma babel. O mundo no palco onde cada um falava sua língua, mas todos tinham uma só linguagem. O jazz se uniu ao tango. Era a música. Era o som. Era a harmonia. O contra baixo de Ricardo Lira parecia soar único, parecia reinar, mas a companhia do piano, do saxofone, do acordeon, do violão, da guitarra, da bateria e da percussão foi indispensável. Eram únicos, mas era o todo.
O húngaro Béla Bartók foi bem representado.
O seleto público viu no palco da Sala Miguel Mônico a Suite op. 14.
Sentiu uma magia que parecia envolver os dedos dos músicos. O show foi um conserto para poucos, e foram estes que puderam acompanhar a música “Noite Feliz”.
Até mesmo a bateria se fez suave e o som tirado por Fábio Augustinis foi singular.
O público viajou na ordem do Algaravia e assim, nessa viagem musical, chegamos aos ciclos nordestinos. Ouvimos Marlos Nobre. Ouvimos durante 60 minutos o Grupo Algaravia e não foi difícil reafirmar que realmente a música pode transformar o nosso estado de espírito. Impossível não se sentir mais leve, mais em paz depois de ouvir o concerto do grupo. A música tem o poder de eternizar a arte, de ensinar, libertar e compreender uma sociedade. O Grupo Algaravia só confirmou este pensamento.
Apresentação conquista público
A apresentação do domingo 11 conquistou o público. Todos saíram da Sala Miguel Mônico encantados com o espetáculo, mas o público também se encantou com a troupe cuja história se inicia antes de 2006, quando os então alunos do curso de Música Popular da Unicamp resolveram se juntar. Começa no amor individual que cada um tem pela música e só assim, amando, é possível passar emoção, sensibilidade e conquistar pessoas tão diferentes. Conquistar pessoas que nem sequer sabiam que em algum canto do planeta tivesse havido ou houvesse alguém chamado Béla Bartók, Camargo Guarnieri, Claude Debussy, Erik Satie, Maurice Ravel, Heitor Villa-Lobos, Leos Janacek, Astor Piazzolla, Marlos Nobre.
Nomes que até a pronuncia é difícil. Homens que conseguiram superar barreiras através da música.
O Grupo Algaravia os trouxe para Garça sem cerimônias e conquistou os presentes com a mistura tão brasileira. Tão popular.
“Estamos finalizando um ciclo que começamos na sexta-feira (9) em São José do Rio Preto, ontem (sábado – 10) em Ilha Solteira e hoje (domingo 11) aqui em Garça. Estamos fechando um ciclo onde participamos do Circuito Cultural do SESI”, falou Rafael Thomaz que junto com Eloá Gonçalves e Ricardo Lira assina arranjos apresentados pelo grupo.
E como ninguém é uma ilha, o músico lembra que o Grupo Algaravia vai além dos integrantes que se apresentaram no palco.
“Temos o nosso motorista Gerson que tem dividido conosco essa caminhada, garantindo nossa chegada nos locais. O Guma que cuida do som. Augusto Fidalgo e Luciana Miyuki que são os responsáveis pela iluminação e fotografia e o Rafael – que é esse rapaz que vocês vêem passando por aqui no palco (risos). Ele nos ajuda no palco. Sem essa equipe o trabalho do Grupo Algaravia não seria possível”, falou Rafael Tomaz.
O músico salientou o apoio e o carinho com que foram recebidos em Garça. E da Sentinela do Planalto citou nomes de pessoas que fizeram a diferença na apresentação – no prazer do grupo em estar em Garça -: Dona Edna (que já se tornou referência para todos que se apresentam na Sala Miguel Mônico), Maria Clara Seabra, Bruno Carvalho, Washington, Suzy Mey.
Com relação à participação do grupo no Circuito Cultural do SESI, Ricardo Lira salienta que a parceria é muito boa.
“Foi muito positiva a participação. A organização do Circuito Cultural do SESI é firme. Certa. Não tivemos problemas por onde passamos”, disse ele.
“O público que participa do Circuito Cultural do SESI é cativo. Sempre aquele público que comparece, apóia, incentiva, gosta. Costumo dizer que é melhor ter 15 pessoas no público que participam, do que ter 50 só para dizer que a casa está cheia. O bacana, o importante sempre é que o som chegue até o público”, falou Eloá Gonçalves.
Os músicos não descartam a possibilidade de participar do Circuito Cultural do SESI no ano que vem.
E a apresentação do Grupo Algaravia em Garça, foi definida por Rafael Thomaz como “bom pra caramba”. Eloá Gonçalves resume o espetáculo com o termo “aconchegante”.
Para mim, uma leiga nas notas musicais que tinha em relação aos compositores citados, uma absoluta ignorância, foi mais que “bom pra caramba”. Foi mais que aconchegante. Foi um show de sensibilidades.
Vale lembrar que no ano passado o Grupo Algaravia lançou seu primeiro CD. O trabalho conta com as participações especiais de Naylor Azevedo (Proveta), Maria José Carrasqueira e Ivan Vilela.
Músicos
Bruno Cabral – saxofones soprano e tenor
Eloá Gonçalves – piano e acordeon
Rafael Thomaz – violão e guitarra
Ricardo Lira – contrabaixos acústico e elétrico
Fábio Augustinis – bateria e percussão
Programa
Dança negra – Camargo Guarnieri (arr: E. Gonçalves)
Serenade for the doll – Claude Debussy (arr: R. Lira)
Goliwogg's Cakewalk – Claude Debussy (arr: R. Lira)
Première Gymnopédie – Erik Satie (arr: E. Gonçalves)
Pavane pour une infante défunte – Maurice Ravel (arr: E. Gonçalves)
A Lenda do Caboclo – Heitor Villa-Lobos (arr: E. Gonçalves)
In the Mists – Leos Janacek (arr: R. Thomaz)
Calambre – Astor Piazzolla (arr: R. Thomaz)
Ciclo Nordestino nº 1 – Marlos Nobre (arr: R. Thomaz)
Nazarethiana – Marlos Nobre (arr: E. Gonçalves)
Suite op. 14 – Béla Bartók (arr: R. Lira)
Nenhum comentário:
Postar um comentário