domingo, 14 de abril de 2024

"A imensidão íntima das coisas"

 “A imensidão intima das coisas”

Depois da correria das obrigações matinais, e de deixar a louça do almoço no escorredor, armei-me do necessário para uma vespertina apresentação teatral. Esvaziei-me, para ter espaço e lugar para o novo que viria. Afinal, aprendizado sempre.
O horário e o dia definiram a presença de um público pouco visto nas cadeiras da Sala Miguel Mônico. Adolescentes em sua efervescência. As professoras denunciavam que eram estudantes do Ensino Médio. Meia dúzia – para mais – de pessoas com cabelos brancos, assim como os meus, completavam o público. Com o abrir das portas, fomos direto para cima do palco. Há tempos que não ia numa apresentação, dividindo o espaço cênico com a trupe. Sentei-me, é claro, logo à frente . A ideia de ser tocada até pelas primeiras respirações/inspirações e o medo de, sentada atrás, ver apenas a silhueta dos adolescentes,  ou ouvir seus comentários encobrindo a voz dos personagens , foram decisivos pela escolha do lugar. E enquanto os adolescentes se acomodavam, ainda sem saber qual lugar escolher, e qual ponto seria o melhor, uma professora alerta os que a frente se sentaram. Às 15 horas teriam que sair e, sentar-se à frente seria inconveniente se tivessem que debandar antes de findar a apresentação (ainda bem que isso não aconteceu ). Houve o movimentar de lugares, mas atrás, na última fileira, uma voz macia e parecendo sair das entranhas, redefiniu os lugares. Nada de cadeira vazia na fileira da frente. Eu já começava a ser cheia ...... e não consegui recusar o convite para participar do espetáculo.
Disseram, ou na tela escreveram que “somos ínfimos e efêmeros e, dentro desse universo, somos agigantados”. Me senti grande e pequena. Me senti.
Fui célula e micróbio.
Fui pupila e vírus.
Fui o Delgado e o Grosso.
Fui o miocárdio e o rim.
Fui memória celular .
Fui lactobacilo vivo dentro do organismo do mundo.
Fui Ela, ou Ela foi eu.
Fui psicanalista.
Fiz a sinapse e vi a mitose.
Lembrei e rememorei.
Difícil viver e, entre mais de dois milhões de amigos nas redes sociais, se sentir sozinha. Os muitos likes não transformam ou amenizam a insipidez.
Difícil, pois nem todo mundo da conta de ser (apenas) mais um.
Foi assim, nesse diálogo, briga, conversa, descoberta e redescoberta de si para si mesmo, nessa aventura de se ouvir e se sentir , que fui vendo e ouvindo, de forma gritante, muito do que deixou de ser falado.
Não. Viver não é inútil e nem sempre o vírus bom é o vírus morto, mas sentir dói e, às vezes, as pedras que deixamos no caminho doem além de nós. As vezes doem mais do que as que encontramos pelo caminho.
Mas se viver (realmente) é inútil, morrer não é a solução.
Foi assim, numa briga de mim, comigo mesma, feita por Ela, buscando auto ajuda e ajuda em mensagens de biscoitos chineses que “A imensidão intima das coisas “ falou comigo, de mim e do mundo.
Falou do triste e trágico, com humor. Mostrou abismos estendendo a mão. Falou da Ciência, da Fé, do amor , da razão e da religião. Falou do egoísmo, da avareza, da repressão. Falou do difícil, do fácil e do necessário.
“A imensidão intima das coisas” trouxe o trabalho escravo e a mea-culpa. A briga da consciência com o desejo.
Trouxe o Armagedon, os falsos profetas,  o desfacelamento familiar. Mostrou o abandono e o enterro dos vivos. Desnudou a fragilidade das relações familiares, cerceada pelas riquezas materiais.
E mais uma vez a arte (que não imita a vida) desnudou facetas do viver, mas o fez sem o peso  da tristeza. O fez com humor e leveza. O riso ainda prevalece, e das desgraças conseguimos boas gargalhadas.
“A imensidão intima das coisas” não subestimou a Inteligência Artificial (IA), mas  deixou claro que a célula é mais inteligente que influencers e youtubers.
E,  depois da apresentação vespertina, que também me levou, lá atras, para as aulas de biologia, voltei para casa. Não poderia jamais, sair da mesma forma que cheguei. Ainda bem que me esvaziei antes de entrar e, assim pude me dar ao deleite de ser cheia. Me enchi da companhia do Haroldo, da beleza da arara e do intimo da imensidão das coisas.
Me enchi de arte.





Espetáculo foi apresentado gratuitamente por meio do ProAC Editais

O espetáculo “A imensidão íntima das coisas” foi apresentado no último dia 10 de abril, em duas sessões, na Sala Miguel Mônico.
O espetáculo, que foi gratuito, foi contemplado por meio do ProAC Editais do Estado de São Paulo e têm visitado diversas cidades paulistas. Depois da apresentação os atores tiveram um bate-papo com o público. A
peça tem classificação 14 anos e a trama apresenta a história de "Ela", uma escritora de biscoitos chineses que desenvolveu a habilidade surpreendente de ouvir a micro conversa telefônica de sua célula com um micróbio, amigos de infância. Ouve também discussões entre o intestino grosso e o delgado e as memórias de sua célula cardíaca.
A peça explora as possibilidades que surgem quando uma pessoa pode ouvir seu próprio corpo.

O espetáculo é narrado pela psicanalista P, que acompanha o caso e conta como o fenômeno lança "Ela" em uma aventura por dentro de si mesma. A exposição pública é praticamente uma vivência de psicodrama, realizada por uma atriz e um ator, que interpretam os personagens mais originais da dramaturgia molecular: células, micróbios, vírus e órgãos.

  
Ficha técnica
Dramaturgia: Ana Paula Lopez
Orientação de criação dramatúrgica: Silvia Gomez e Ângela Ribeiro
Núcleo de direção: Fabrício Licursi, Thiago Amaral e Ana Paula Lopez
Elenco: Alessandro Hernandez, Ana Paula Lopez, Fernanda Castello Branco e Lilian Regina
Direção de Arte: Thiago Amaral
Iluminação: Fabrício Licursi
Direção Audiovisual e ilustrações: Sol Faganello.
Ilustrações do Vídeo e Programa: Bruno José
Trilha Sonora Original: Camila Couto
Técnico de Luz e operador de projeção: Maurício Mateus
Operador de trilha sonora: Ivan Alves
Produção: Alessandro Hernandez, Fernanda Castello Branco e Ana Paula Lopez
Assistência de Produção: Yumi Ogino
Realização: La Leche, Perereca Produções e Garagem Criativa
Doralice Ribeiro do Nascimento
 

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