“Os Falecidos de Nelson”
Cia. Atos & Cenas de Lençóis Paulista
“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico (desde menino)”.
Chegamos a Nelson Rodrigues e nele fomos convidados a entrar através da fúnebre anfitriã. Uma recepção diferente. O rádio, o mesmo que foi um dos primórdios da notícias, foi elemento fundamental em cena. E num espaço cenográfico completamente diferente assistimos a busca da vida, através da morte. Na penumbra do Espaço Cenografia, não sentimos o cheiro da morte, mas me deliciei com a beleza “cadavérica” das noivas. As fotos no fundo mostrando a falta de identidade e, ao mesmo tempo me dizendo que existem muitos iguais; a vida depois da morte; a perda da vida que não se vive e ao mesmo tempo a busca dela. E vi que somente Nelson Rodrigues poderia dizer “não se apresse em perdoar, a misericórdia também corrompe”. O horário não permitiu que o público, aberto a discussões, tivesse novamente o prazer de debater o ensaio. Fomos convidados a deixar Nelson Rodrigues. Voltei rapidamente para um ligeiro parabéns. Era preciso sair pois o universo de Machado de Assis nos esperava. Não sei. Não sabemos a leitura feita pela equipe do Projeto, mas sabemos que o Grupo de Lençóis Paulista, trouxe, naquele espaço, um grande escritor, dramaturgo e cronista. Tudo bem que a vida como ela é, nem sempre nos deixa entendê-la, mas ... acredito que é a busca por respostas que encanta. Não chegaria a intensidade de Nelson, mas creio que muitas vezes precisamos morrer, para renascer. É preciso matar em favor da vida. Matar conceitos e pré-conceitos. A força de cada noiva; os sonhos; o amor; a vida. A notícia. O vestido. O veú. O oculto. A discussão da homossexualidade. O noivo foi o único com o rosto coberto. O único que se mostrava feliz. E quem vai entender a vida como ela é? Os falecidos de Nelson - Um espaço sem definição, assim como as personagens, que, em uma breve passagem depois da vida, encontram-se para um curioso e inusitado acerto de contas. Neste lugar indeterminado, tudo fica aparente e, mais ainda, sem censura ou valor moral, uma vez que todos os envolvidos na trama descobrem, em determinado momento, que estão mortos. A montagem é uma livre adaptação das crônicas “O delicado”, “As gêmeas” e “O pastelzinho”, de Nelson Rodrigues.
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